
Do Silêncio à Revolução
O papel da mulher portuguesa no 25 de Abril
Como viviam as mulheres portuguesas antes do 25 de Abril?
Antes do 25 de Abril, as mulheres não podiam sair do país sem autorização do marido. Não podiam ser diplomatas, magistradas ou polícias. Nem tão pouco hospedeiras, caso fossem casadas. Em comparação ao sexo masculino, ganhavam menos de metade. A ditadura era um regime opressivo e controlador para todos, em particular para as mulheres, que eram reduzidas à condição de dona de casa. Submissas do patriarcado, eram coagidas a zelar pelo lar e bem-estar de toda a família.

Nascidas e criadas em contextos diferentes, da cidade à aldeia e de norte a sul do país. Para muitas mulheres portuguesas, o 25 de Abril foi o início de uma vida livre, com poder de escolha, marcada por uma contínua luta pelos direitos que lhes foram negados durante décadas. Passados 50 anos, o que significa para estas mulheres a liberdade?
Para Maria Branco, de 80 anos, os limites impostos por uma sociedade machista pareciam não coincidir com os seus ideias. Cresceu no centro de Aveiro e, em entrevista ao Jornal O Grafia, relatou episódios de pura repressão e o esforço que teve de fazer para continuar a estudar. "Na escola primária, só perguntavam aos meninos 'o que é que queres ser quando fores grande'", repara. Partindo do princípio de que uma mulher não podia ser instruída, "vivíamos encarceradas, sem direito a opinar o que quer que fosse", continua. Afirma, ainda, que foi expulsa da Paróquia da cidade, juntamente com outras duas amigas, por usarem saias e decotes. "Nunca me caiu bem a ideia de uma mulher ser controlada, até pelas roupas que usa", afirma. "Éramos completos fantoches", avança. E, enquanto a voz feminina não era ouvida, as mais pequenas desordens ao Estado faziam já a diferença para um Portugal democrático e igualitário.

Em todas as famílias, fossem elas pobres ou endinheiradas, a opressão do Estado mantinha-se e, por isso, as dificuldades de acesso à educação também, especialmente nas mulheres. À semelhança de Maria Branco, Maria do Carmo, agora com 71 anos, também estudou e trabalhou até à reforma. Licenciou-se em Economia na Universidade do Porto e relembra, apesar de pertencer à parte da população mais privilegiada, que, muitas das vezes, nem os sonhos das mulheres eram sequer verbalizados: "não podíamos sonhar, seja com o que fosse, uma carreira, independência financeira total ou um mero passatempo, que não fosse aprovado pelo pai ou marido", explica. "E ainda assim, éramos vistas como fascistas e apoiantes do regime, só por estudar", continua. Relembra o dia da Revolução dos Cravos, quando uma das aulas foi interrompida e todos os alunos mandados para casa. A confusão nas ruas era extrema, ouviam-se gritos, veículos por todo o lado e pedras eram atiradas a bancos, escritórios e edifícios do Estado. "Confesso que não percebi bem o que se estava a pensar, só vi na televisão quando cheguei a casa, mas senti, mesmo com a confusão, uma alegria vibrante", declara.

A luta pelos direitos do feminismo estendeu-se ao contemporâneo, e continua nos dias de hoje. A conquista da liberdade e da democracia abriu portas para que as mulheres portuguesas assumissem um papel mais ativo na sociedade, com mudanças significativas. Na saúde reprodutora e direitos sexuais, o aborto foi legalizado em determinadas circunstâncias. Até 1974, o próprio uso de métodos contracetivos era controlado pelos homens. A lei do divórcio foi só legalizada a 1975, com o advento da democracia e a separação efetiva entre Estado e Igreja. Antes dessa data, o marido enganado podia matar a mulher, apanhada em flagrante adultério, e não sofrer qualquer tipo de punição.
No interior do país, mesmo nas aldeias mais populosas, os efeitos só se sentiram anos mais tarde. Para quem trabalhava no campo, de manhã à noite, os dias continuaram iguais. Pouco, ou nada instruídas, praticamente analfabetas e com um único objetivo: trabalhar e sobreviver.
Foi assim até à Revolução, e assim continuaram as vidas de Idalina Neves e Graça Pinho. Amigas de longa data, ambas são de Oliveira de Azeméis, Idalina tem 85 anos e Graça 74. Hoje, ao olhar para o passado, relembram o valor da mulher portuguesa naquele tempo, e o que significa, agora, a liberdade, 50 anos depois. "Sofríamos muito e éramos vistas somente como donas de casa", refere Idalina. "Mas não havia muito mais que pudéssemos fazer, o dinheiro era pouco e as oportunidades também", continua. Já Graça, aponta ao Jornal O Grafia, o orgulho que sente em ver as netas viverem aquilo que ela não pôde.


Para estas mulheres, a liberdade não é apenas uma palavra, mas uma conquista árdua e significativa. Representa a capacidade de sonhar, de escolher o próprio destino e de viver sem as amarras da opressão e do patriarcado. A Revolução do 25 de Abril deu voz às aspirações e lutas das mulheres, por uma sociedade mais justa e igualitária.
